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Direito das Prisões VII


Caros Amigos,

No dia 21 de junho do corrente ano, o Blog havia alertado para a necessidade de acompanhar o julgamento do RE 592.581/RS, em regime de repercussão geral, no qual se discute a possibilidade do Judiciário condenar o Estado do Rio Grande do Sul, através de ação civil pública proposta pelo MP/RS, em obrigação de fazer consistente na melhoria das condições do sistema prisional.

Pois bem. O feito foi julgado na última quinta-feira, tendo o recurso sido provido por unanimidade para condenar o Rio Grande do Sul a realizar obras de melhoria em unidade prisional, mais especificamente o Albergue Estadual de Uruguaiana.

Em que pese o acórdão não tenha sido publicado, o site do STF já disponibilizou o voto do relator, Min. Lewandowski, o qual se passa a comentar.

Ressaltou o Ministro que a pena de prisão tem "função eminentemente ressocializadora", a qual acaba sendo inviabilizada pela situação do sistema prisional, que igualmente atenta contra a dignidade da pessoa humana.

Frisou-se que acentralidade do valor da dignidade da pessoa humana em nosso sistema constitucional permite a intervenção judicial para que seu conteúdo mínimo seja assegurado aos jurisdicionados em qualquer situação em que estes se encontrem".

Sobre a ausência de violação à independência e harmonia entre os poderes, ressaltou o voto condutor:

Assim, contrariamente ao sustentado pelo acórdão recorrido, penso que não se está diante de normas meramente programáticas. Tampouco é possível cogitar de hipótese na qual o Judiciário estaria ingressando indevidamente em seara reservada à Administração Pública.

No caso dos autos, está-se diante de clara violação a direitos fundamentais, praticada pelo próprio Estado contra pessoas sob sua guarda, cumprindo ao Judiciário, por dever constitucional, oferecer-lhes a devida proteção.

Nesse contexto, não há falar em indevida implementação, por parte do Judiciário, de políticas públicas na seara carcerária, circunstância que sempre enseja discussão complexa e casuística acerca dos limites de sua atuação, à luz da teoria da separação dos poderes.

Da mesma forma, salientou-se que o Poder Judiciário, em casos como o presente, exerce poder contra-majoritário, apto a fazer prevalecer os princípios básicos da convivência humana mesmo diante da opinião pública e de opções políticas contrárias:

Não obstante, o que se assevera, com toda a convicção, é que lhe incumbe, em casos como este sob análise, exercer o seu poder contra-majoritário, oferecendo a necessária resistência à opinião pública ou a opções políticas que caracterizam o pensar de uma maioria de momento, flagrantemente incompatível com os valores e princípios básicos da convivência humana.

Além de não se tratar de indevida intervenção do Judiciário em políticas públicas, não é caso de se aplicar o princípio da reserva do possível em virtude da existência de verbas no Fundo Penitenciário.

Como tese de repercussão geral, restou aprovado o seguinte enunciado:

É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes.

Como este julgado, na esteira do que já ocorre em países como os Estados Unidos da América (e.g. Brown v. Plata), o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o processo cível é um dos meios postos à disposição do ordenamento para proteção dos direitos individuais e coletivos dos apenados.

Se o reconhecimento unânime, por parte do Supremo Tribunal Federal, acerca do caótico sistema penitenciário nacional gerará mais efeitos na seara penal e processual penal, contudo, é algo que só o tempo dirá.

Sugere-se a leitura do inteiro teor do julgado, assim que publicado.

Fiquem conosco e indiquem o Blog a quem interessar possa.



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